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Publicado em Quarta, 29 Agosto 2018 16:21
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Os trabalhadores e trabalhadoras da Empresa Brasil de Comunicação elaboraram um "dossiê" com casos de censura e governismo ocorridos na empresa. A partir do lançamento de um formulário online voltado aos jornalistas e radialistas para que denunciassem os casos de forma sigilosa, a Comissão de Empregados da EBC e o Sindicato dos Jornalistas do DF sistematizaram os casos, agora tornados públicos.

Confira abaixo, na íntegra, o documento elaborado pelos empregados públicos:

DOSSIÊ

CENSURA E GOVERNISMO
NA EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO

 

Introdução

Este dossiê da censura e do governismo nos veículos da EBC foi elaborado por grupo de trabalho composto por membros da Comissão de Empregados da empresa, dos sindicatos que atuam nela e dos trabalhadores que desejaram se integrar à iniciativa. Nosso objetivo, por meio dele, é contribuir para o resgate da missão da EBC, que é produzir comunicação pública.

A EBC é uma empresa recente e a construção da comunicação pública sempre esteve colocada para nós como um desafio num país como o Brasil, que não tem essa tradição. Tensões entre o público e o estatal fazem parte do DNA da EBC, que inclusive possui um braço destinado a fazer comunicação estatal, via prestação de serviços, composto pela NBR e pela Voz do Brasil. Desde os governos petistas, houve momentos em que se confundiu a missão da empresa. Os gestores de turno, vários deles indicações políticas sem conhecimentos adequados e alguns vindos da própria SECOM (Secretaria de Comunicação da Presidência da República), não raro pareceram achar, em diversos momentos ao longo dos últimos anos, que a EBC era um instrumento de propaganda do governo de plantão. Assim, casos de censura ou de governismo na linha editorial dos veículos, ainda que agravados recentemente, não chegam a ser propriamente novidade na história da empresa.

A maior novidade nesse sentido veio com o fim dos instrumentos que zelavam pelo cumprimento da missão pública e discutiam o seu conteúdo. Isso escancarou as portas para a censura e o governismo nos veículos da empresa sem qualquer instância em que o conteúdo que produzimos pudesse ser debatido. Além de acabar com o mecanismo que tornava o mandato do presidente da empresa não coincidente com o do presidente da República, o Conselho Curador foi extinto numa “canetada” - primeiro ato de Temer ao assumir a presidência do país. Assim, deixamos de contar com a instância colegiada que debatia a nossa programação a partir de uma diversidade de olhares da sociedade civil. Mais recentemente, com o fim do mandato da ouvidora Joseti Marques, que realizava um competente trabalho, houve o desmantelamento da Ouvidoria da EBC. Hoje, essa instância que outrora produzia boletins e textos críticos sobre a nossa programação, foi reduzida a algo burocrático, incapaz de produzir análises qualitativas sobre o que levamos ao público.

Para completar o quadro, a direção da empresa e o governo têm agido, desde o impeachment da presidenta Dilma, no sentido de confundir ainda mais as fronteiras entre o público e o estatal por aqui. Entre outras coisas, foi retirado textualmente do plano estratégico da empresa a missão de “produzir comunicação pública”. Pelo texto vigente, nossa missão é simplesmente produzir “comunicação”. Soma-se a isso a recente tentativa de aprovação, pelo Conselho de Administração da empresa, de mudança no perfil da Agência Brasil, que passaria a reproduzir apenas "notícias de Estado". A intenção desse tipo de medida é claramente liquidar as já frágeis, na conjuntura brasileira, fronteiras entre a comunicação pública e a estatal, fortalecendo a segunda em detrimento da primeira. E o pior, conforme já dito, é que as instâncias que sempre zelaram pela missão pública da empresa se encontram extintas ou desmanteladas.

Nesse sentido, dentro da empresa, restou a nós, trabalhadores da EBC, a solitária tarefa de zelar pela comunicação pública. E ainda que essa defesa aconteça diariamente, em cada redação (quando brigamos pela realização de pautas que estimulem a formação crítica do público ou nos embates contra “edições” que descaracterizam nossas reportagens de maneira a não desagradar ao governo de turno) consideramos necessário sistematizar os casos de censura e governismo para que a presente denúncia não se tornasse vaga ou sem substância. Para tal, lançamos um formulário online em que colegas das diversas redações puderam relatar tais casos e solicitamos o envio de prints ou links de matérias com a censura realizada ou com a manifestada linha editorial governista.

A partir do material recebido, fizemos uma sistematização em planilha que não será divulgada para proteger a identidade dos denunciantes, evitando expô-los a perseguições. Isso também porquê, tão logo foi lançado nosso formulário online, a empresa se arvorou em enviar pelo e-mail funcional um “EBC Informa” afirmando que a linha editorial é equilibrada e isenta e que a iniciativa visava criminalizar o trabalho dos editores. Tentando jogar os trabalhadores uns contra os outros, a direção da empresa visava nos dividir para enfraquecer a produção e a legitimidade deste dossiê. No entanto, foi mal-sucedida, posto que contamos com a colaboração inclusive de editores dos nossos veículos nesse esforço. Afinal, não são os editores os responsáveis pela linha editorial da empresa: eles obedecem a uma cadeia de comando. A responsabilidade é da direção da EBC.

Apesar da não divulgação da planilha em que sistematizamos os casos, que remontam a outubro de 2016 e seguiram acontecendo até a terceira semana de julho de 2018, nos propomos aqui a fazer uma análise quantitativa e qualitativa do material recolhido. Ainda que importante ressaltar que o número de denúncias poderia ter sido maior não fossem as constantes perseguições sofridas pelos trabalhadores, no geral, o objetivo é lançar luz sobre como operam a censura e o governismo nos veículos da empresa. Dirigimos, portanto, este primeiro dossiê, à direção da empresa, aos conselheiros cassados do Conselho Curador, à ouvidoria da EBC, aos trabalhadores da empresa e às entidades da sociedade civil parceiras na defesa da comunicação pública.

Sistematização quantitativa e qualitativa dos casos

Conseguimos reunir, em quatro semanas de formulário lançado, 61 denúncias de censura e governismo. Os casos aconteceram entre o mês de outubro de 2016 e a terceira semana de julho de 2018, em todos os veículos da EBC (Rádios, TV e Agência Brasil). 35 deles ocorreram no Rio de Janeiro, 14 em Brasília e 12 em São Paulo (considerando a origem do caso, já que algumas foram editadas em conjunto por Brasília). 29 das matérias censuradas ou excessivamente governistas foram feitas na Agência Brasil; 18 no radiojornalismo e 14 na TV Brasil. É importante salientar que quando falamos de matérias censuradas, estamos nos referindo não apenas à não publicação/veiculação, mas também ao corte de trechos com informações importantes ou trechos de sonoras.

Entre as matérias censuradas ou governistas, a maioria esmagadora delas - 35 - pertencem à editoria de política. De resto, são 6 de direitos humanos, 4 da editoria geral, 4 de cidade, 3 de economia, 3 de cultura, 2 de ciência, 1 de meio ambiente, 1 de educação, 1 de segurança e 1 de saúde. Com esse recorte das editorias às quais pertencem as matérias censuradas e/ou governistas, ficou evidente que a grande maioria delas pertence, não por acaso, à editoria de política. É aí que a censura e o governismo se dão de modo mais explícito.

É o caso da cobertura de manifestações, por exemplo. Já foram censuradas - a maioria sequer é veiculada - diversas matérias que repercutiam manifestações, especialmente aquelas contrárias às reformas de Temer. No total, foram 7 matérias sobre manifestações sumariamente censuradas. Do total das 61 denúncias, 6 delas - 10% do total - traziam críticas diretas ao presidente Michel Temer ou colocavam informações sobre ele que se optou por retirar. Outras 6 - mais 10% do total - traziam críticas à intervenção federal no Rio de Janeiro e ao uso das forças armadas na segurança pública, com análises de especialistas no tema. Ainda, 3 outras eram referentes ao ex-presidente Lula (sobre o caso do desembargador Favreto e a pré-candidatura a presidente) e 2 sobre o binômio política de preços da Petrobrás/greve dos caminhoneiros. A menção a greve geral foi suprimida ou inviabilizada em duas ocasiões. Todos esses casos, claramente, têm relação com pontos sensíveis da política do governo federal ou da sucessão à presidência.

Entre as denúncias, o caso de maior repercussão foi o da cobertura relativa ao caso da vereadora Marielle Franco, executada no Rio de Janeiro. Um dos gerentes da Agência Brasil, Alberto Coura, escreveu um e-mail dizendo que a cobertura do Rio de Janeiro estava cansativa e repetitiva - quando esta era a notícia do momento em todos os veículos de comunicação da cidade, do país e com importantes repercussões internacionais. Outro gerente, Roberto Cordeiro, foi mais explícito e escreveu, em e-mail que vazou, que a cobertura de homenagens à vereadora só servia para dar palanque ao PSOL. O caso teve grande repercussão e foi noticiado em veículos como O Globo, Folha de S.Paulo, G1, Estadão, Poder 360, Justificando, Revista Fórum e blog do Sidney Rezende.

Importante destacar que, mesmo nas matérias censuradas em outras editorias, como cultura ou direitos humanos, o que se observa é que a censura se deu, na maior parte das vezes, por críticas feitas ao presidente ou ao governo de turno. As reportagens com balanços dos anos do governo, por exemplo, foram sintomáticas. Foram recebidas denúncias que deram conta tanto do aniversário de 1 ano do governo quanto o de 2 anos, em maio de 2018. As denúncias relataram a expressa supressão de informações como a baixa popularidade de Temer e a quantidade de ministros investigados pela Lava-Jato. Houve ainda, em outra oportunidade denunciada, a retirada de uma matéria publicada em site após pedido expresso de um Ministério do governo Temer, devidamente acatado pela diretoria da empresa. Ou a chegada de Michel Temer ao local do desabamento do prédio no Largo do Paisandu, em São Paulo, maio de 2018, quando foi noticiado com destaque o anúncio de investimentos, em detrimento do fato social divulgado por praticamente toda a mídia brasileira: a de que Temer foi vaiado assim que aproximou-se do local.

Mais recentemente, já próximo ao período eleitoral, também observa-se o veto a matérias que vão contra os interesses de aliados do presidente Michel Temer (como o governador Pezão, do MDB, e o ministro Moreira Franco) e de membros de partidos da base aliada. Um exemplo foi o silêncio dos veículos da casa sobre a notícia do dia 06/07/2018, referente ao vazamento de áudios do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (do PRB, componente da base aliada de Temer), prometendo vantagens a fiéis e pastores. Na Agência Brasil, a questão não foi pautada no dia 06/07 e houve matéria censurada parcialmente no dia 12 sobre manifestação que pedia o afastamento do prefeito. Na rádio, a matéria só saiu no dia 06 por insistência de repórter que passou do seu horário para conseguir fechar, pois sequer estava pautada. Na TV saiu tardiamente, apenas no dia da votação da Câmara de Vereadores sobre o afastamento.

Entre os diversos casos relatados o que se observa também é que a necessidade de contraponto é usada, forçosamente, como desculpa para o silenciamento. Foi assim por exemplo em matéria especial sobre os 5 anos das manifestações de junho de 2013. Trechos das sonoras de dois entrevistados foram suprimidos por críticas feitas ao governo de turno, mas outra sonora que criticava o governo petista foi preservada. Vimos aqui uma necessidade seletiva de contraponto: só quando interessa ao Governo Temer.

Também chamaram atenção denúncias sobre a cobertura de economia, notadamente do telejornal Repórter Brasil Noite. A lógica era simples: se o dado foi positivo (queda da inflação, por exemplo) ganhou mais tempo e abriu o jornal. Se negativo (desemprego) entrou com pouco destaque. Trata-se de um governismo claro, nesses casos, também verificado em outras pautas de economia, ao ouvir especialistas otimistas com os rumos nacionais. Houve ainda denúncias de casos mais graves na TV, como a retirada expressa de sonoras e informações críticas à presidência da República e, mais recentemente, a inserção de quase 7 minutos (25% do jornal diário) de entrevista com o presidente Michel Temer. No caso das eleições 2018, outro caso grave também foi denunciado. Nenhuma das dezenas de pré-candidaturas apresentadas ao longo de 2018 foram veiculadas, com exceção da apoiada por Michel Temer, a de Henrique Meirelles, no dia 22 de maio de 2018 (disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=Ag7It0D_tVU). Houve também denúncias de coberturas das editorias de economia, cultura, educação e segurança pública (intervenção federal no RJ) em que os únicos entrevistados foram ministros ou secretários dos ministérios, principalmente fazendo anúncios de investimentos - uma cobertura típica de televisões estatais.

Entre as 61 denúncias, houve também censuras das pautas de movimentos sociais, como do campo (MST), de moradia (MTST), dos trabalhadores (centrais sindicais), entre outros, em detrimento de balanços e pesquisas da Fiesp ou do Sistema S. Estas, geralmente advogando, por exemplo, pela diminuição das funções do Estado na educação e na saúde. Outras denúncias envolvendo o jornalismo também apontaram para: 1) o excesso de pautas e destinação de repórteres para o Fórum Mundial da Água - cobertura feita sob contrato ilegal com a Agência Nacional de Água (ANA); 2) o viés da cobertura sobre a intervenção federal no RJ, com reportagens apenas dando os números de apreensões de armas ou prisões; e 3) um número considerável de denúncias sobre o excesso de governismo do programa comandado pela jornalista Roseann Kennedy, o “Nos Corredores do Poder”. Isso tanto relacionado à defesas explícitas sobre as reformas da previdência e trabalhista (propostas pelo governo), além de “notícias de agenda” de ministros e meros anúncios de programas e investimentos. As entrevistas de 30 minutos com Michel Temer e Moreira Franco também foram citadas nas denúncias, inclusive sob o argumento da falta de entrevistas com políticos com pensamentos divergentes aos do governo de plantão.

Sobre o Fórum Mundial da Água, denúncias adicionais também chamaram a atenção. Foram censuradas, por exemplo, informações sobre a reunião de Michel Temer com executivos da Nestlé naquele período, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, e também que a cobertura foi resultado de um contrato firmado entre a ANA e a EBC, no valor de 1,8 milhão de reais. Nesse episódio, também vale ressaltar o caso da demissão do gerente da Agência Brasil em São Paulo. Décio Trujilo foi demitido após uma reportagem ter desagradado a ANA e o secretário de Recursos Hídricos do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). A demissão foi pela reportagem “Apesar de obras, São Paulo ainda precisa de chuva para evitar nova crise hídrica”. De acordo com uma carta aberta da Comissão de empregados da EBC e do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, a abordagem desagradou ao presidente do Conselho Mundial da Água – órgão organizador do fórum –, Benedito Braga, que também é secretário de Recursos Hídricos de Alckmin. A matéria relatava que o reservatório da Cantareira apresentou os mesmos níveis da fase anterior do início da crise hídrica, de quatro anos atrás. Décio foi demitido após reclamações formais de assessores do Fórum Mundial da Água.

Outra denúncia deu conta do episódio envolvendo a publicação da matéria “Ministro da Cultura deverá pedir demissão”, que ficou várias horas como manchete da Agência Brasil no dia 12 de junho de 2018. Ao contrário do que preconiza a norma – Manual de Jornalismo da EBC -, que trata o “off” como excepcionalidade, a publicação não cita nenhuma fonte, além de fazer mera especulação sobre possível saída do ministro da Cultura do órgão, informação desmentida posteriormente pelo próprio Ministério da Cultura. A reportagem especulativa fez com que a Agência Brasil fosse ridicularizada em veículo jornalístico comercial e classificada como “agência de recados do Palácio do Planalto”.

Também em relação à Agência Brasil, outra denúncia deu conta da matéria que afirmou que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) havia concluído que a reforma trabalhista seria “compatível” com a Convenção 98 da entidade. Isso mesmo com a informação de que a OIT ressaltou que não tomou nenhuma decisão sobre o tema e que apenas pediu esclarecimentos ao governo brasileiro. À época, a Comissão de Empregados e os Sindicatos denunciaram que tal linha editorial adotada pela nova gestão da Agência Brasil colocava em xeque anos de trabalho em prol da credibilidade do veículo e de todo o jornalismo público da EBC.

No Radiojornalismo das emissoras de rádio da EBC, para colocar em prática a não cobertura de temas sensíveis ao governo federal, uma série de justificativas de ordem técnica e logística foram usadas pela gestão, mas que demonstram a falta de prioridade ou mesmo o cuidado excessivo que não é demonstrado em pautas negativas contra figuras políticas de oposição, por exemplo. Uma das denúncias diz respeito à forma como a falta de repórter é frequentemente usada para justificar que uma determinada sugestão não seja pautada. E, quando a pauta chega às mãos do repórter, existem outras demandas que são priorizadas e acabam por inviabilizar o fechamento da reportagem que seria crítica ao Executivo federal. Também existe a prática de “derrubar” (quando a reportagem não vai ao ar) matérias por falta de resposta do governo – uma justificativa plausível, caso o repórter não tenha procurado o outro lado, uma premissa básica do jornalismo. O problema é que isso acontece quando o profissional entrou em contato com determinado órgão, mas não teve retorno no prazo estabelecido. É praxe que, nesses casos, o repórter cite que o “ministério tal foi procurado, mas não apresentou posicionamento até o fechamento desta matéria”. E, caso respondam, muitas vezes o assunto pode virar uma nova reportagem sobre o caso, chamada de “suíte”. Mas nas redações dos veículos, a matéria sem resposta tem sua veiculação adiada até que se torne velha ou irrelevante. Há casos em que elas até mesmo são arquivadas porque o governo não se pronunciou.

Outro gargalo é a veiculação das matérias do radiojornalismo na Radioagência Nacional, que distribui todo o conteúdo gratuitamente às rádios que desejarem. Reportagens como a análise da política de preços da Petrobras ou a privatização do serviço de abastecimento de água não foram veiculadas. As justificativas apresentadas pela gestão são relacionadas a falhas técnicas, mas também fazem menção ao suposto desequilíbrio de reportagem. No caso da política de preços, a Petrobras e o governo federal foram ouvidos, mas a exigência era para que existisse um acadêmico ou especialista que defendesse a variação diária de preços dos combustíveis. Reportagens também são cortadas na Radioagência de modo a comprometer a contextualização do assunto ou retirar falas mais enérgicas contra o governo, mesmo depois de aprovadas pela edição e até ter ido ao ar nas emissoras da EBC. A palavra “golpe” é retirada de sonoras de pessoas críticas ao governo, por exemplo.

Outras denúncias apontam para termos que são cortados das reportagens de forma a amenizar a mensagem passada. Um exemplo é o impedimento, na Rádio Nacional, de afirmar que os investigados pela Polícia Federal, o advogado José Yunes e o coronel João Baptista Lima Filho, são “amigos do presidente Michel Temer” (tal caso também foi denunciado na TV Brasil). A relação de longa amizade com ambos foi destacada pelo próprio Temer em mais de uma entrevista à imprensa. Mesmo assim, o termo foi proibido. No lugar, os repórteres deveriam usar “pessoas próximas de Temer”, mesmo que o repórter estivesse de posse do áudio do presidente mencionando a amizade. Já algumas palavras que expressavam uma ideia positiva foram inseridas propositalmente, mesmo que o repórter não as tivesse utilizado. Quando o governo Temer completou um ano, o termo “balanço” foi substituído por “comemoração”.

Houve, ainda, uma denúncia de que diversas vezes foram cortadas informações sobre datas de manifestações e greves gerais realizadas por movimentos sindicais. A justificativa era que não se poderia dar agenda, para não “avisar” os cidadãos que ocorreria a atividade em determinada data. Era encarado como uma forma de publicidade de pautas de oposição ao governo, mesmo que toda a mídia privada falasse sobre o assunto – com a data de realização – todos os dias, a cada adesão de categoria a paralisações, por exemplo.

Houve ainda denúncias de pautas que nunca chegaram às mãos dos repórteres. Quando a Câmara dos Deputados tentava votar a abertura da operação do Pré-sal, originalmente restrita à Petrobras, foi proposta em reunião do radiojornalismo e aprovada a realização de série especial sobre o tema. As reportagens abordariam a história de luta pelo controle estatal do petróleo, que se confunde com a própria criação da companhia; recordaria a descoberta do Pré-sal e o que se sabe e o que se produz a partir dele atualmente; discutiria qual a real situação da Petrobras em termos financeiros e de estratégia de mercado; e abordaria o desinvestimento em refinarias e outras atividades, e quais as consequências disso. Finalizada e entregue a pauta da série, ela nunca foi distribuída para a reportagem e não houve retorno sobre o motivo.

Voltando à Agência Brasil, outra denúncia grave diz respeito a uma espécie de editorial publicado. O texto surgiu no dia primeiro de junho com o título “Temer ainda estuda nome para presidência da Petrobras”, que não cita nenhuma fonte e faz juízo de valor em diversas ocasiões. “Apesar de se colocar à disposição para a transição, Parente não foi sensível a, pelo menos, adiar sua saída”, diz um trecho. Vejamos outro: “Mesmo tendo sempre apoiado a gestão independente de Parente, o governo não deixava de reconhecer internamente que o sobe e desce diário do preço dos combustíveis, por mais que o saldo final fosse a estabilidade de preços, teria efeitos negativos sobre a população, dificultando até a percepção sobre a real queda da inflação”. A parte que fala da estabilidade de preços é inclusive uma contradição flagrante com os fatos reportados diariamente pela Agência Brasil, de aumento diário dos preços dos combustíveis. Em suma, o texto, sem assinatura, foi realmente escrito como um editorial, e não uma reportagem, prática que não se adota pelos veículos da EBC, de acordo com o seu Manual de Jornalismo.

Outra abordagem polêmica denunciada se dá nas eleições. De acordo com a orientação das chefias, a série especial sobre os desafios do país que devem ser enfrentados pelo próximo presidente se concentra em falar sobre exemplos positivos e negativos em cada tema, deixando de lado a discussão da situação macro e de políticas públicas nacionais. Na educação, pautas para discutir “escola sem partido”, a reforma do ensino médio e o financiamento da educação frente ao teto de gastos foram recusadas pela Diretoria de Jornalismo. Na área de emprego, o previsto é a realização de matéria negativa sobre dificuldade de consegui-lo na terceira idade, enquanto o Brasil tem um contingente de milhões de pessoas que até mesmo desistiram de procurar emprego.

Finalizamos aqui a apresentação deste dossiê e esperamos que os trabalhadores da EBC se sintam cada vez mais seguros e encorajados a denunciar os problemas vivenciados no dia-a-dia em relação à linha editorial. Por outro lado, agora constrangidos pelo desvelamento dos mecanismos de censura e governismo que têm imposto aos veículos de jornalismo da casa, exigimos que a direção da empresa e o governo de turno parem de atacar a missão pública da EBC. Esperamos, ainda, quebrar a espiral de silêncio que qualquer censura visa estabelecer, deixando claro que não seremos coniventes com o projeto de destruição da comunicação pública ora em curso.

Agosto de 2018

Comissão de Empregados da EBC
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal

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